Trauma: não é frescura, é memória congelada

Como o EMDR e o Modelo de Processamento Adaptativo de Informação explicam o que acontece com a gente

Heloisa Titotto

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Trauma é uma dessas palavras que dão um certo arrepio. Quando alguém fala “trauma”, a primeira imagem que vem à cabeça costuma ser algo grandioso: guerras, acidentes graves, tragédias. Claro, isso tudo pode gerar trauma, mas no modelo do EMDR e do Processamento Adaptativo de Informação (PAI), trauma é qualquer memória congelada — e isso, infelizmente, faz do trauma algo muito mais comum. Ele pode nascer de eventos grandes, mas também daqueles episódios aparentemente pequenos que deixam marcas profundas.

No fundo, o trauma é menos sobre o que aconteceu e mais sobre o que não conseguimos processar. É como se o cérebro tivesse um software de edição de memórias. Na maioria das vezes, ele pega nossas experiências, adiciona legendas, organiza as pastas e arquiva no lugar certo. Mas, em momentos de estresse intenso ou de vulnerabilidade, esse software trava. Em vez de salvar a memória editada, o sistema guarda o arquivo bruto, cheio de imagens fortes, emoções esmagadoras e crenças distorcidas. Resultado: uma lembrança que volta a aparecer como se fosse ao vivo, sempre que algum “gatilho” a aciona.

O PAI nos explica que a mente tem uma tendência natural à cura. Assim como o corpo cicatriza um corte, a psique tende a integrar experiências de forma saudável — se não houver obstáculos. Só que, quando o trauma entra em cena, a memória fica “congelada” em um estado disfuncional, sem se integrar ao resto da nossa história de vida. É por isso que podemos reagir de forma exagerada a situações atuais: não é o presente que dói, é o passado mal resolvido que se infiltra.

O trauma, então, é um “resto emocional” que ficou na geladeira. Em vez de virar aprendizado e memória tranquila, fica ali, ocupando espaço, azedando, e toda vez que abrimos a porta (ou seja, quando algum gatilho aparece), sentimos aquele cheiro forte de algo que não foi digerido.

É nesse ponto que o EMDR se torna revolucionário. Diferente de terapias que focam só em falar sobre o que aconteceu, o EMDR atua direto na forma como o cérebro guarda a memória. Através da estimulação bilateral — que pode ser feita com movimentos oculares, sons alternados ou leves toques — o cérebro é convidado a retomar o processamento natural. É como se alguém finalmente desse um “play” no arquivo que estava travado. A lembrança continua existindo, mas deixa de ser uma ferida aberta para se tornar uma cicatriz: algo que faz parte da nossa história, mas que já não dói ao ser tocado.

E não pense que isso serve apenas para situações extremas. O trauma pode se esconder em críticas repetidas na infância, em um término mal resolvido, em episódios de rejeição ou em experiências de bullying. Para o cérebro, não existe uma régua que mede o tamanho do sofrimento. O que importa é o quanto aquilo sobrecarregou nosso sistema de processamento.

Então, quando dizemos que trauma não é frescura, estamos falando sério. O que acontece é um bloqueio neurológico e emocional, não falta de força de vontade. E quando o EMDR ajuda a “descongelar” essas memórias, não é mágica: é neurociência trabalhando a nosso favor.

No fim das contas, o trauma não é um monstro invisível que nos persegue para sempre. Ele é uma memória que ficou sem acabamento, parada no tempo. E o EMDR, com base no Modelo de Processamento Adaptativo de Informação, é o convite para que a mente volte a fazer o que ela sabe de melhor: transformar dor em aprendizado e seguir em frente.